terça-feira, 27 de setembro de 2011

O CIÚME DE PHILIP ROTH

Philip Roth, 78 anos, autor norte-americano considerado por muitos o maior escritor vivo, usa em seus romances, temas recorrentes e as vezes até o mesmo personagem.
Em "O ANIMAL AGONIZANTE" ele fala do desejo sexual do homem mais velho, do ciúme e do envelhecimento.

"Há uma criatura tão linda que todo mundo tem medo de se sentar ao lado dela. O lugar ao lado da mulher mais bonita do mundo - está vazio. Então você vai e se senta ali. Mas agora esse tempo passou e nunca mais você vai ter tranquilidade, vai ter paz. Eu ficava preocupado por ela andar de um lado para outro com aquela blusa. Ela tira a jaqueta, e eis a blusa. Tira a blusa e eis a perfeição. Um rapaz um dia vai encontrá-la e levá-la embora. Vai levá-la de mim, que despertei seus sentidos, que lhe dei sua estatura, que fui o catalisador que tornou possível sua emancipação, que a preparou para ele.
Como é que sei que um rapaz vai levá-la embora? Porque eu já fui o rapaz que o teria feito. "

O ANIMAL AGONIZANTE de PHILIP ROTH. TRADUÇÃO de PAULO HENRIQUES BRITTO, COMPANHIA DAS LETRAS.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

GATO NA CHUVA, de Hemingway


Só havia dois americanos no hotel. Não sabiam nada das pessoas com as quais esbarravam pelas escadas, para lá e para cá, no acesso ao quarto. O quarto ficava no segundo pavimento, de frente para o mar. Ele dava também para o jardim público e o monumento de guerra. Havia grandes palmeiras e bancos verdes no jardim. Na boa estação aparecia sempre um artista com seu cavalete. Os artistas gostavam do porte das palmeiras e das cores brilhantes dos hotéis faceando o jardim e o mar. O monumento de guerra atraía os italianos, que vinham de longe para admirá-lo. Ele era feito de bronze e cintilava na chuva. Estava chovendo e a água escorria das folhas das palmeiras. Formavam-se poças nas trilhas de cascalho. O mar quebrava em linha a escorrer pela praia, para surgir, de novo, num fio sob a chuva. Não havia mais automóveis na praça, nem em frente ao monumento de guerra. Do lado oposto ao monumento, na entrada do café, um garçom observava a praça vazia.

 A esposa americana olhava pela janela. Do lado direito e abaixo, estava um gato, agachado sob uma mesa verde. O gato tentava se encolher ao máximo, para que a chuva não o atingisse.

 "Vou descer e pegar aquele gatinho", disse a esposa americana.

"Vou eu", seu marido ofereceu-se, da cama. 

"Não, vou pegá-lo. O pobre gatinho lá fora tenta se manter seco sob a mesa". 

O marido continuou lendo, estendido entre os dois travesseiros, à beira da cama.

"Não vá se molhar", ele disse. 

A esposa desceu ao térreo e o dono do hotel levantou-se, fazendo um aceno para que ela passasse pelo escritório, que ficava no meio do caminho. A escrivaninha encontrava-se ao fundo. Ele era velho e muito alto.

 "Il piove", disse a esposa. Ela simpatizava com o dono do hotel.

 "Si, si, Signora, brutto tempo. Tempo horrível".

 Ele estava atrás de sua escrivaninha, no cômodo sombrio. A mulher gostava dele. Admirava o modo extremamente sério com que ele recebia reclamações, o que, para ela, significava uma espécie de dignidade. Chamava-lhe a atenção o modo como ele queria servi-la, como se sentia sendo um dono de hotel. Agradavam-lhe do mesmo jeito sua velha, pesada face e suas mãos largas. Neste estado, abriu a porta e olhou para fora. 

Chovia pesadamente. Um homem, numa capa de borracha, atravessava a praça vazia, para o café. O gato queria escapar para a direita. Talvez pudesse alcançá-lo, caminhando sob o beiral do telhado e com isso não se molhar. Quando ainda estava na entrada do hotel, um guarda-chuva se abriu atrás dela. Era a criada que atendia ao seu quarto.

"Você não deve se molhar", a criada sorriu, falando em italiano. Certamente, o dono do hotel a mandara. 

Com a criada protegendo-a com o guarda-chuva, ela caminhou pela trilha de cascalho até debaixo de sua janela. A mesa estava ali, lavada de verde brilhante sob a chuva, mas o gato se fora. Ela ficou subitamente desapontada. A criada olhou para ela.

"Ha perduto qualque cosa, Signora?"

"Havia um gato", disse a garota americana.

"Um gato?" 

"Si, il gatto".

 "Um gato?" a criada sorriu. "Um gato na chuva?"

"Sim", ela respondeu, "sob a mesa". Então, "Oh, eu o queria tanto. Eu queria aquele gatinho".

 Quando ela falou em inglês o rosto da criada se contraiu. 

"Vamos, Signora", ela disse. "Nós devemos entrar de novo. A senhora vai se molhar".

 "Acho que sim", disse a mulher. 

Elas retornaram pela trilha de cascalho e atravessaram a porta. A criada, do lado de fora, fechou o guarda-chuva. Quando a americana cruzou pelo escritório, o padrone fez uma mesura, de sua escrivaninha. Algo parecia muito pequeno e apertado no interior da mulher. O padrone a fez se sentir muito pequena e ao mesmo tempo, realmente admirável. Teve uma sensação momentânea de ser tomada de uma suprema importância. Chegou ao andar de cima. Abriu a porta do quarto. George estava na cama, lendo.

 "Pegou o gato?" ele perguntou, largando o livro. 

"Ele se foi". 

"Para onde?", ele perguntou, descansando seus olhos da leitura.

 Ela se sentou na cama.

"Eu o queria muito", ela disse. Não sei porque o quero tanto. Quero aquele pobre gatinho. Não é nada divertido ser um pobre gatinho, lá fora, na chuva".

 George lia de novo.

 Ela atravessou o quarto, sentou-se em frente ao espelho da penteadeira, olhando-se também com o espelho de mão. Estudou seu perfil, primeiro um lado, depois o outro. Então, observou a nuca e o pescoço.

"Você não acha uma boa idéia eu deixar meu cabelo crescer?" ela perguntou, olhando-se de novo.

George viu seu pescoço, o cabelo cortado como o de um garoto.

"Gosto dele assim".

"Já estou farta dele", ela disse. "Farta de parecer um garoto".

George se virou na cama. Não tinha tirado os olhos dela desde que começara a falar.

 "Você está muito bonita assim", ele afirmou.

 Ela pousou o espelho de mão na penteadeira e foi para a janela, olhando para fora. Escurecia. 

"Quero poder pentear meu cabelo para trás, esticado e macio, e fazer um grande coque, de modo que eu possa senti-lo", ela disse. "Quero um gatinho para sentar no meu colo e ronronar quando eu o acariciar".

 "Sim?" perguntou George, da cama. 

"E quero comer à mesa com meus talheres de prata e velas. Quero que seja primavera, escovar meu cabelo em frente ao espelho. Quero um gatinho. Quero roupas novas". 

"Oh, cale-se e pegue algo para ler", George disse. Voltou à leitura.

Sua esposa olhou pela janela. Estava muito escuro agora, e ainda caía chuva nas palmeiras.

 "De qualquer jeito, quero um gato", ela disse, "Quero um gato. Quero um gato agora. Se não posso ter cabelo comprido e me divertir, quero um gato". 

George não escutava. Lia seu livro. Sua esposa olhava pela janela, no lugar onde as luzes avançavam na praça. 

Alguém bateu na porta. 

"Avanti", George disse. Ergueu os olhos do livro. 

Na entrada estava a criada. Trazia um grande gato feito de casco de tartaruga apertado contra o peito, suspenso até a cintura.

 "Desculpe-me", ela disse, "o padrone me pediu para entregar isso à Signora".




Cat in the Rain, Ernest Hemingway.

O MELHOR CONTO JÁ ESCRITO.

No texto abaixo, o escritor espanhol Enrique Vila-Matas fala sobre o conto Gato Na Chuva, de Hemingway.

- Parece que vai chover – disse aquele dia ao entrar na aula.
Era um meio-dia cinzento de primavera, mas não havia ameaça alguma de chuva. Se disse aquilo foi só para que os estudantes começassem a entrar na matéria, na matéria do conto que pensava em ler para eles.
Pouco depois lhes dizia:
- Apesar do que anunciaram ontem os professores deste centro, não vou me limitar a falar do relato breve em geral. Penso aproveitar que os tenho aqui para que me ajudem a entender um conto de Hemingway que nunca entendi por inteiro. E mais: vou converter vocês em carne de conto, porque o que acontecer durante a próxima hora nesta aula penso contá-lo em um relato.
Me pareceu que, sabedores de que podiam converter-se em material literário, os estudantes se esqueceram de qualquer tentativa de dormir durante a aula, e alguns até me sustentaram o olhar, desafiantes; outros pareciam se perguntar o que me propunha fazer com eles.
O conto de Hemingway – lhes disse – se intitula “O gato na chuva” (transcrito no post anterior). Faz muitos anos, quando li que García Marquez considerava esse conto o melhor que havia lido em toda a sua vida, me precipitei a lê-lo, e não o entendi; tornei a lê-lo de novo e o entendi ainda menos.
Fiz uma pausa, e logo acrescentei:
- O que menos entendo em tudo isso é que seja o melhor conto do mundo.
Como se tratava de um conto muito breve, não tardei quase nada em lê-lo aos estudantes, embora antes os tenha advertido de que, por ser um relato de Hemingway, havia que se ter em mente que o autor foi sempre um mestre na arte da elipse e que conseguia sempre com que o mais importante da história nunca fosse contado. Quer dizer, que a história secreta do conto se construía com o não-dito, com o subentendido e a alusão. Isso explicaria que o relato pudesse parecer trivial (um casal de jovens americanos, viajando pela Itália, estão num quarto de hotel: enquanto ele lê na cama, ela se enternece com um pobre gato que vê debaixo da chuva e diz que gostaria ter um gatinho que deitasse em suas saias e, definitivamente, lhe fizesse companhia), apesar de que na realidade não soubéssemos com certeza se Hemingway teria posto toda sua perícia na narração hermética da história secreta.
Li o conto e logo pedi aos estudantes que, por favor, me ajudassem a encontrar qual podia ser a história secreta que se desprendia daquele relato.
Uma estudante levantou a mão e falou de outro conto parecido de Hemingway em que se falava de elefantes brancos e na realidade a história secreta era a gravidez de uma mulher e seu calado desejo de abortar.
Outra menina nos falou da insatisfação sexual da jovem que queria um gato.
Um estudante acrescentou que talvez a protagonista de “O gato na chuva” tivesse um desejo oculto de maternidade.
Por último, uma garota que parecia estar chorando disse que tudo era muito simples.
- Muito bem – lhe disse – adiante, se é tão simples.
- Ela era Hemingway – disse.

Me dei conta de que, graças aos estudantes, entendia melhor que antes o conto, embora seguisse sem entender por que pudesse ser o melhor conto do mundo. De pronto, me ocorreu pensar que talvez não havia que interpretar nada naquele relato de Hemingway, quem sabe o conto era completamente incompreensível, e aí radicava sua graça. Contei aos estudantes o final do conto que escreveria à tarde: eu voltava para casa e dava voltas a suas interpretações do conto e de pronto descobria que aquele relato era simplesmente incompreensível.
- Quando leio algo que entendo perfeitamente – lhes disse – o abandono, desiludido. Não gosto dos relatos que balançam perigosamente no abismo do óbvio. Porque entender pode ser uma condenação. E não entender, a porta que se abre.
Então, a estudante que parecia estar chorando levantou de novo a mão.
Por um momento pensei que se aquela estudante acabasse chorando, logo a seguir choveria. É que na juventude eu conheci uma moça que sempre que chorava chovia.
A estudante me disse então que lhe parecia muito bem que tivesse encontrado o final do meu conto, mas que me recomendava que, ao escrevê-lo, pensasse nos leitores, ou seja, que pensasse nela.
Creio que a desdenhei. Mas aqui estou agora sem entender nada, nada!, tampouco deste conto.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Retrato 3x4, Martin Page.

A GENTE SE ACOSTUMA COM O FIM DO MUNDO, do francês Martin Page, é um livro sobre o universo do cinema, e se passa em Paris. Então, claro, é um texto cheio de imagens interessantes, paisagens bonitas, personagens ricos, cheios de pose, glamour, e com alguma quantidade de álcool no sangue.
A edição brasileira da Rocco, trás na orelha a foto do autor, um jovem estrábico, feio, longe do estereótipo dos seus personagens.
Eu já vi livros conquistarem os leitores pela primeira frase, mas dessa vez foi a apresentação do autor, bem no final do livro que me fez ter vontade de ler.
Embaixo da foto, onde um olho frita o peixe e o outro vigia o gato, diz que ele ama Paris, Nova York, Barcelona e o Rio de Janeiro sob chuva, e milita ativamente contra o verão.

Martin Page é também autor de Como Me Tornei Estúpido.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Bom Humor

Trecho da entrevista do Arnaldo Branco, cartunista carioca para a repórter Mariana Filgueiras de O Globo.

Há um limite entre piadas politicamente incorretas e ofensa?
- Há. Humor é elaboração, ofensa é instinto. Ofensa pura e simples aproxima seu trabalho do senso comum, do inconsciente coletivo. Por exemplo, a frase sobre estupro do Rafinha nem pode ser chamada de piada, é uma associação de idéias que qualquer sujeito sem noção pode fazer (a mulher feia é sexualmente frustrada; sexo a força é melhor que sexo nenhum etc). Não precisa de um humorista para formular.

Como o humor incorreto pode ser engraçado?
- Sendo mais engraçado do que incorreto. Dá para o humorista sair impune com uma boa sacada - a Sarah Silverman tem várias piadas sobre estupro que fazem a platéia gargalhar de prazer culpado.

O cara é cartunista e blogueiro, e não é da turma do "humor vale-tudo". Não é pra qualquer um!
Sigam esse Blog: http://www.oesquema.com.br/mauhumor/

sábado, 27 de agosto de 2011

NÃO FAÇAM ESSAS CARAS TÃO ROMANTICAS!


"É recomendável pendurar na sala alguns cartazes com frases como: "NÃO FAÇAM ESSAS CARAS TÃO ROMANTICAS." Indicação de Bertold Brecht para a comédia Tambores na Noite.